Minha geração, a melhor de todas!
Por Alexandre Muniz de Queiroz
(publicado no Joaçaba-Jornal em 20/10/1979)
Regra geral, cada qual julga a sua geração a melhor de todas, isto é, a mais feliz.
É natural que assim seja.
Creio, entretanto, que poucas terão sido tão palpitantes como a minha.
Nasci em 1916, em plena violência da 1a. Grande Guerra (1914-1918), que viria transformar galopantemente toda a face da Terra.
Então, os aviões estavam engatinhando e houve o primeiro combate aéreo.
Era uma sensação ver os primeiros filmes, mesmo mudos, desses combates.
Não havia, outrossim, os meios modernos de comunicação, pois o rádio ainda não havia sido inventado, muito menos, portanto, o radar, a televisão e a eletrônica.
Falar em ir à Lua era estar “no mundo da lua”, isto é, era ser louco ou poeta, e andar por debaixo do mar, em submarino, era fantasia de Júlio Verne.
Telefone, sempre engripado e movido a manivela, só para uso doméstico.
Os trens eram “Maria Fumaça”; os automóveis, “Fords de bigode”; asfalto, “só em pensamento”; a luz, de querosene “Jacaré” e gás de carbureto, lembrando os “saudosos” tempos dos “acendedores de lampião”…
E os bebês? Ah! esses, quais os gatos e cachorrinhos, ainda nasciam de olhos fechados, e todos de parto natural: ainda não havia a cesariana…
Lembro-me, muito bem, de tudo isso.
Dos “bons” tempos das valsas, xote, maxixes, rancheiras e o “escândalo” do Charleston.
Depois vieram os tangos, os sambas, os foxtrotes, o swing, o baião, o rock, e, por último, a discoteque, esta “já não mais para mim”.
As mulheres, como eram diferentes!
Não dançavam com “qualquer um” e eram gulosamente requestadas. Usavam espartilhos, anágua e saias-balão. Viviam numa “redoma”. Onde entravam, todos se levantavam e cediam seus lugares. Eram a “rainha do lar” e do Mundo. Não cortavam os cabelos, não assobiavam, não sorriam em público, não andavam sós, não guiavam automóveis, não fumavam, não frequentavam as Faculdades, não eram funcionárias públicas, não usavam calças compridas, tampouco biquíni e minissaia…
Os homens não eram menos sofisticados.
Ainda maiores de idade e já casados, não fumavam e não faziam a barba perante os pais, senão depois da autorização destes. Respeitavam os mais velhos, chamando-os de “Senhor”, e eram os defensores dos mais fracos. Não andavam sem chapéu e sem gravata. Punham luto pela morte dos parentes e guardavam “respeito” por determinado período, às vezes a vida toda, conforme o grau de parentesco e a estima e admiração pelos mesmos. Punham luto, ainda, nos enterros e dias da Paixão do Senhor. Guardavam abstinência uma vez por semana, e uma vez por mês, jejum. Respeitavam as autoridades, civis e militares, e beijavam os anéis dos Bispos e Monsenhores. Acreditavam não só no Paraíso, como também no Purgatório e no Inferno. Os filhos não se casavam sem o consentimento expresso dos pais e o pedido de casamento (noivado) era feito protocolarmente por estes. Era um dia de festa nas duas famílias! Não havia divórcio, mas desquite. Não havia “incompatibilidade de gênios”…
Hoje, já não é mais assim.
Tudo mudou, ou, como se queira, “evoluiu”, pois “tudo mudou para melhor”. “O Mundo, no seu conjunto, sempre haverá de progredir, jamais regredir” (Charles Darwin).
Lembro-me, enfim, muito bem, do primeiro aparelho de rádio, do tamanho de um piano grande, exportado pelo farmacêutico Rodolfo Dória, da Bahia, e que diziam ter sido o primeiro do Brasil.
Para ouvi-lo, um de cada vez, com audiofones individuais, e olhe lá! Aquela cançãozinha fraca, italiana ou francesa, ao longe, interrompida, persistentemente, por sinais telegráficos…
Este, o telégrafo, só existia nas Capitais e algumas cidades mais importantes.
A campanha do Marechal Rondon, implantando postes pelas regiões inóspitas e bravias dos pântanos mato-grossenses e florestas amazônicas, foi uma epopeia e forjou um dos mais notáveis heróis nacionais.
Tão prolongada foi essa campanha que, quando chegou em Porto Velho, hoje capital do Território Federal de Rondônia, as grandes torres metálicas ali construídas para esse fim foram “tristemente” substituídas por duas varas de bambu, para a instalação da primeira estação de rádio…
Fui testemunha desses acontecimentos.
Então, ali, como em todo o Brasil e em todo o Universo, morria-se aos borbotões. As doenças eram de todas as espécies e não havia remédios específicos para curá-las. Não havia soro antiofídico, não havia quinino industrializado, não havia antibióticos e a injeção ainda estava para ser inventada.
As dores multiplicavam-se.
O iodo, dolorosíssimo, era o melhor antisséptico.
Picada de cobra curava-se com ferro em brasa.
Não havia o câncer, mas proliferavam a tuberculose, o tifo e febre amarela, para os quais não havia tratamento.
Não havia vacina, tampouco anestésico.
Os dentes eram obturados e arrancados com dor, daí por que ainda hoje suo frio quando me sento numa cadeira de dentista…
Hoje, decorridos apenas 60 anos, quão diferente é tudo!
Estradas asfaltadas, televisão a cores, cinema com tela panorâmica em três dimensões; operação sem dor, transplante de córnea, fígado, baço, coração; iluminação a mercúrio, telégrafo sem fio, trens dinâmicos, navios com estabilizadores, jornal falado, serviços rotineiros mecanizados…
Quem passou por tudo isso; quem viveu, sofreu e acompanhou, passo a passo, o eclodir de todos esses progressos; quem sentiu o prazer da transformação cresceu com as melhoras; vibrou com os novos inventos, esse alguém realmente viveu!
Eu não posso, pois, deixar de ser um dos felizardos, por ter nascido nesta geração.
Com efeito, muito vive quem vive intensamente. Por iniciativa própria ou levado pelas circunstâncias.
Estas, as da minha geração, como aqui suscintamente descritas, parece-me terem sido as mais formidáveis de todos os tempos.
Eu estava em Saragoza, na Espanha, no dia 20 de julho de 1969, quando o Homem, na pessoa de O’Neill Armstrong, símbolo de uma época, pôs os pés pela primeira vez na Lua.
Ouvi, então, com meus ouvidos – “que a terra haverá de comer” –, quando Nixon, de Washington, falou pelo telefone com o mesmo, no mesmo instante, saudando-o.
Quando eu ainda era jovem e titubeava na crença em Deus, este era um dos argumentos fortes para se pôr em dúvida a sua existência: “Ele não poderia estar em todos os lugares, na mesma hora”.
E agora?
Não; não há dúvida – Bendita a minha geração! Benditos os que nela nasceram!
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