Manoel e Perpétua – um casal à frente do seu tempo
Na linda foto em destaque do post de hoje (que, por equívoco, não entrou no livro) os sogros de Alexandre Queiroz: Manoel e Perpétua. Casaram-se há quase exatos 99 anos; portanto, é a eles hoje a nossa homenagem com este post. Ele nascido em fins do século 19, ela nascida no começo do século 20, sua história nos mostra um pouco da sociedade catarinense de antanho, suas concepções e seus modos de vida; e as características de cada um nos revelam pessoas de mente aberta para a época.
Manoel Jeremias Fernandes, o “Neco”, nasceu em Tubarão/SC em 18/2/1895, numa família simples. Estudou até o terceiro ano primário, foi sapateiro de profissão, teve loja de calçados e foi um ótimo negociante, o que permitiu uma vida confortável à sua família. Faleceu em Florianópolis em 1976, aos 81 anos de idade.
Filha de um alemão, Joseph Knabben (nascido em 1870 na cidade de Monheim, distrito de Dusseldorf), e de uma descendente de portugueses, Maria Rosa da Silva (nascida em 1875, em Armazém/SC), Perpétua Knabben nasceu em 6/7/1902 em Gravatal/SC, tendo falecido em 9/9/1993, em Florianópolis.
Manoel e Perpétua se conheceram num baile, em Armazém. Casaram-se quando ela tinha apenas 15 anos, no dia 15/6/1918, e tiveram seis filhos: Dulce, futura esposa de Alexandre, foi a primogênita; depois vieram os gêmeos José Jeremias e Maria, Walburga, Sílvia e Luiz Carlos (filho adotivo).
Perpétua disse certa vez que jamais se arrependeu de ter casado tão cedo: “Eu aproveitei a vida muito depois de casada”. E completou: “Eu gostava muito de carnaval. A gente fazia os blocos, que ensaiavam lá em casa. Era muito divertida a minha casa.”
Em suas memórias, Alexandre fez questão de ressaltar o quanto a sogra foi boa para ele, “que junto com meu pai foi a melhor pessoa da minha vida; por isso eu contesto e reclamo quando falam mal de sogra”:
“Excluídos as esposas e os filhos, as duas melhores pessoas da minha vida foram meu pai e dona Perpétua. A Walburga costuma dizer que ela fazia tudo que eu gostava. Eu não repliquei na hora, mas replico agora: eu também fazia tudo que ela gostava. Se ela gostava de uma fruta, eu ia ao mercado e comprava pra lhe trazer; se ela gostava de um objeto qualquer, eu fazia questão de comprar e dava pra ela… E eu também sempre dava um presentinho em dinheiro. Não mandava muito porque eu também não era rico. Um dos motivos principais de eu mandar dinheiro pra ela, embora eles fossem bem de vida, é que ela tinha o gosto de fumar e o Neco tinha pavor que ela fumasse. Então, eu dava um dinheirinho e ela comprava cigarro escondido.”
Sobre o gosto pelo cigarro, ficou famosa na família a história de que, atendendo ao pedido do marido para que ela parasse de fumar – “ou você para de fumar ou eu saio desta casa” –, Perpétua teria respondido: “Tudo bem, mas a primeira coisa que eu vou fazer quando você morrer é acender um cigarro”. E assim o fez, tendo dado, como ela mesma disse, “seis meses de lambuja”.
Moraram muito tempo em Tubarão. A casa, que ficava na beira do rio, era muito bela, com móveis lindos, chuveiros elétricos com água quente, um grande carrilhão para soar as horas, descreveu o neto Diomário.
De fato, era a típica casa dos avós, para onde iam todos os netos durante as férias. Os netos, aliás, faziam a contagem regressiva, dia a dia, da chegada das férias de verão, cada um descrevendo os momentos felizes que queriam viver desde a chegada no lugar que para eles era o paraíso! No Natal os avós faziam uma festa maravilhosa, carneando um boi ou porco, e então serviam cerveja para os homens; para as mulheres e crianças, guaraná ou laranjinha.
Entre as características de Neco, destacamos a prioridade que dava à educação. Com sabedoria, decidiu investir na educação de Dulce, sua primogênita, para formá-la professora normalista com internato no Colégio Coração de Jesus em Florianópolis. Naquela época, era raro que fosse mulher a única criança de uma família a escolhida para prosseguir estudando. Dulce foi eleita por seu excelente desempenho na escola desde pequena, pelo reconhecimento de sua vocação para os estudos.
Perpétua, por sua vez, era mulher muita carinhosa, sábia, caridosa, e ao mesmo tempo independente e de negócios. Carinhosa, preparava para os netos fornadas de pão, de gostosas roscas e broas, manteiga amarelinha e copos grandes de coalhada para o café da manhã. Dizem que suas galinhas de domingo tinham sabor inigualável! Fazia bolos e sobremesas enormes para todos poderem comer à vontade.
Sábia, tinha chás de todos os tipos para todos os males do cotidiano. Naquela época, quando aparecia alguma doença contagiosa para crianças, o costume era facilitar o contágio para tratar todos juntos de forma preventiva. O neto Diomário lembra um surto de caxumba, em que várias crianças estavam sendo medicadas no paiol da estrebaria com banha quente de galinha, que era passada sobre os inchaços do pescoço.
Caridosa, quando ganhava no jogo do bicho, 20% eram para obras de caridade! Certa feita, quando roubaram os siris e as economias de um pescador que dormia num carrinho à beira do rio e chorava de desespero, ela consolou-o dando todo o dinheiro que acabara de receber da venda do leite naquela semana. Também abrigou diversos parentes nos seus momentos de necessidade.
Independente e com tino comercial, Perpétua gostava de ganhar seu próprio dinheirinho e de contribuir para as despesas da casa. Sempre tinha um porco na engorda que ela mesma matava e transformava em carne, banha, torresmo, linguiça, morcilha, para o consumo da família. Teve criação de galinhas para a venda de ovos. Cultivava frutas, verduras e legumes para uma rede de fregueses. Era ela também que comercializava o leite das vacas.
A residência em Tubarão continuou sendo o refúgio familiar até a famosa enchente de 1974 (grande tragédia em Santa Catarina), quando o belo casarão foi alagado e totalmente danificado. Nessa época Manoel já havia sofrido um derrame, estava acamado, e o casal foi morar em Florianópolis.
Perpétua viveu até os 91 anos de idade (viu quatro de seus filhos falecerem: Sílvia, Zezé, Mimi e Dulce). Perguntada, meses antes de partir, sobre a mensagem que gostaria de deixar aos netos e bisnetos, Perpétua respondeu: “Eu desejo que todos sejam felizes como eu fui”.
P.S.: Post escrito com base sobretudo no depoimento do neto Diomário, publicado na íntegra na obra “Memórias de Alexandre Queiroz”. Aliás, você encontra no livro muitos outros detalhes da história deste casal!
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