Vida e obra
Por Olga Maria Krieger
Conhecer Alexandre Muniz de Queiroz significa conhecer suas origens. Pesquisar, identificar e desvendar seus antepassados, privilegiando aqueles que serviram de inspiração para Alexandre e que por ele sempre foram mencionados, resgate que fizemos como porta de entrada para a história escrita da sua vida.
Descobrimos uma família tradicional, que, estabelecida no estado da Bahia, refletia os costumes de uma terra pioneira na instituição da Igreja, do comércio, da política e da educação superior. Nesse percurso, voltamos ao século XIX no ramo genealógico dos Vasconcelos, Galvão e Queiroz, com destaque para seus parentes mais ilustres, como o tio-bisavô Conselheiro Zacarias de Goes e Vasconcelos, político de renome nacional do II Império, primeiro presidente da província do Paraná; seu avô Aristides Galvão de Queiroz, doutor em Matemática pela Universidade de Coimbra; ou, ainda, seu tio Antônio Bernardo Vasconcelos de Queiroz, médico e filósofo, um homem sábio que marcou sua geração. Outros personagens aparecem apenas brevemente, como seu bisavô Alexandre, professor da primeira Faculdade de Medicina do Brasil, além de ter se diplomado médico pela Universidade de Pisa, na Itália; e o tio-avô de elevada carreira política e militar, Marechal Reformado Inocêncio Galvão de Queiroz, pacificador da guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul.
Por outro lado, ao resgatarmos a biografia de Alexandre Queiroz, nascido em Valença/BA no dia 16/04/1916, salta aos olhos a importância daqueles parentes que formavam sua rede de afetos, pessoas sem registros nos anais públicos mas que marcaram profundamente suas reminiscências: esferas da vida pública e privada que amalgamadas formaram o substrato do jovem Alexandre. O falecimento precoce da mãe, Ritta, aos 35 anos, alterou a trajetória de toda a família e fortaleceu laços com o avô materno, o Juca. O campo da afetividade é o palco de participação das mulheres, seja pela ausência da mãe, seja por aquelas figuras que ele mais prezou, como sua tia Coletta e as irmãs Yvonne e Thereza, estabelecendo com elas uma relação de estima e proteção, que perdurou ao longo dos anos.
Seu pai, Enéas Vasconcelos de Queiroz, engenheiro da Fiscalização Federal das Estradas de Ferro, e cada um dos seus irmãos fazem uma ponte entre a intimidade do lar dos Queiroz e o desabrochar da vida público-profissional de Alexandre, já que a posterior mudança a Santa Catarina está estreitamente relacionada com as viagens profissionais do pai e a ida de seus três irmãos mais velhos (Manoel, Enéas e José) para o Sul.
A juventude de Alexandre e sua formação acadêmica, ainda na Bahia, fecham o primeiro grande ciclo de sua biografia.
No final da década de 1930, Alexandre conhece a catarinense Dulce Knabben Fernandes num baile de carnaval em Tubarão. Encantados um com o outro, começam a namorar, mas ele volta a Salvador para concluir o curso de Direito. Como descreveria mais tarde o colega José de Mello, Alexandre era o estudante de “terno de casimira, colete e chapéu de feltro” que todos esperavam, “por sua retidão de caráter e saber jurídico”, vir a ser um respeitável desembargador, de fato carreira tradicional entre seus ascendentes. No entanto, a chegada dos primeiros filhos propicia a guinada de vida, da qual diz nunca ter se arrependido: “fui feliz no casamento como poucos terão sido”. A família, ainda nos anos 1940, vem morar na rústica cidade de Joaçaba, toda erguida com casas de madeira, onde Alexandre consolida-se como advogado.
Dulce, naturalmente, é personagem de destaque na vida de Alexandre. Uma mulher à altura da expectativa dos Queiroz: culta, inteligente, amável, de fina educação. Num período em que as jovens pouco estudavam, Dulce, além de se formar no Ensino Vocacional Superior, recebeu bolsa de estudos para cursar Pedagogia no Rio de Janeiro. Entre a promissora vida profissional e o casamento, ela se decide pelo matrimônio. A origem mais humilde – seu pai, Manoel Jeremias Fernandes, era sapateiro – não passou em vão para Alexandre, que ressalta esse fato em suas memórias. Contudo, é com essa nova família que ele recebe o apoio para a formação da sua própria família, tanto nos momentos do nascimento dos filhos, nos veraneios na casa dos sogros, como no carinho recebido especialmente da sogra, Perpétua.
Em terras novas e com a vida pela frente, vemos o casal se fortalecer como pais, ambos disciplinadores, exigentes, mas cada um suavizando os rigores da época com atos de ternura. Na casa não havia supérfluos ou excessos. Todos os esforços eram direcionados para que os sete filhos tivessem acesso à cultura, aos livros, a uma educação completa – bases para a criação de crianças que um dia deveriam ser adultos íntegros, éticos, vencedores.
As múltiplas facetas de Alexandre Queiroz foram e ainda são reconstituídas através de suas memórias, de fotografias icônicas e da coletânea de documentos guardados por ele mesmo ou por parentes próximos.
Da sua vida pública e profissional impressiona a dedicação com que se envolveu em cada projeto, refletida nos feitos realizados e homenagens recebidas. Na advocacia, fundou e presidiu a subseção joaçabense da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SC. Como membro do Lions Clube, lugar de expressão dos seus ideais, elegeu-se governador do Distrito L-10, posição de destaque que o levou, inclusive, a viajar para os Estados Unidos. Desportista comprometido, uniu sua paixão pelo xadrez com a capacidade de liderar para ser um dos maiores apoiadores dos Jogos Abertos de Santa Catarina – JASC, tendo presidido a comissão organizadora da VIII edição dos Jogos. Como cidadão enraizado em Joaçaba e consciente de que era possível fazer mais pela sociedade, elegeu-se vereador por três mandatos, recebendo, anos depois, o título de Cidadão Joaçabense. Exemplos de um homem que se permitiu viver em plenitude.
Entrando no universo dos quereres, há que falar nas paixões de Alexandre: as viagens pelo mundo, a arte de escrever, a cidade de Joaçaba, o Brasil em seus contrastes e riquezas. Com o falecimento de Dulce, em 1983, Alexandre forma novos laços, primeiramente com Ivette Thomé, quando se muda para São Paulo, e mais tarde com Hilda Fetzer, no retorno para Florianópolis, onde viveu seus últimos anos. Na sua feição mais serena, Alexandre é descrito pelos netos como um avô otimista, retrato de seu prazer de estar vivo e rodeado pela família.
Merece destaque o legado que mais o representa: suas lições de vida. São dizeres, provérbios, conselhos que só poderiam vir de um homem que teve como linha de horizonte a fé na humanidade, na democracia e, em primeiro lugar, em Deus.
Em meio a esse reconstruir biográfico, podemos desenhar um Alexandre que fala com orgulho da sua história, com carinho daqueles que amou e com alegria das aventuras da vida. De certa maneira, suas Reminiscências vão se completando. É como se o próprio Alexandre fosse o maior contribuidor do livro e do blog, tanto pelas inúmeras cartas, jornais e documentos que arquivou, pelas memórias registradas em áudio, quanto pelas lições gravadas no coração dos que com ele conviveram. São legados para além do seu tempo.
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